Concreto Armado

Capa Concreto Armado

Um futuro próximo de direitos negociáveis e entidades tentando sobreviver. O progresso levantou colosssos de vidro, aço e concreto armado. Respirar é uma luta constante. Os velhos caminhos foram pavimentados, sinalizados e leiloados por trás de portas fechadas. As criaturas que protegiam as florestas agora pagam pedágio para as concessionárias que trouxeram seu ideal de progresso para as terras sagradas.

Concreto armado é o primeiro romance de Felipe Molina. Sua história se passa em um futuro familiar, onde horrores são noticiados e logo esquecidos no fluxo de trabalho e entretenimento. As perspectivas de diferentes personagens são usadas para explorar a relação do indivíduo e sociedade, além das possibilidades de reação diante da opressão cotidiana.

Concreto Armado está sendo publicado de forma periódica no Wattpad.

Não Somos Romeu e Julieta


Nosso amor não é como o de Romeu e Julieta
Não é um amor de novela
Não me apaixonei a primeira vista e não somos um casal da Disney
Somos reais
Não foi arrebatador à primeira vista,
Foi construído
Em cada conversa, cada desabafo, cada risada,
Cada papo cabeça e cada piada boba…
Cada lágrima que caiu em cada ombro
Romeu e Julieta eram crianças e estou certo de que, se não fosse um amor proibido, não teria durado mais que duas semanas.
Imagino sempre o que acontece depois do final dos filmes.
Imagino o príncipe e a princesa comendo em silêncio e pensando “quem é essa pessoa com quem me casei?”, “Fiz merda”
Eu não amo uma idealização
Eu te amo
Com cada pequeno detalhe, excentricidade, mania…
Amo como nossas conversas fluem sem dificuldade
Como passamos de assunto em assunto sem nem perceber
Amo teu sorriso… tua risada
Mas acima de tudo, amo o nosso silêncio
O momento em que percebi que te amava
Foi quando estávamos juntos, quietos, e eu não senti que precisava achar um assunto o mais rápido possível para não estragar a tarde.
Acho que o amor não é roubar mil rosas ou escalar a montanha mais alta
Amor é sentar junto no sofá
Em silêncio
E se sentir bem
Victória
Eu te amo

Felipe Molina

I-Uivo

Eu vi as mentes da minha geração destruídas pela loucura. Nuas, famintas, enquanto se arrastam por labirintos de luz e silício procurando por mais uma dose de paz. Anjos, com olhos doloridos de ver constantemente tudo o que é, foi e um dia será. A busca pela conexão sagrada que foi roubada, repartida e vendida por assinatura em serviços de streaming.

Divididas entre o medo e a dor, a deriva na tempestade. Eu quero dizer que tudo vai ficar bem, mas sabemos que não é tão simples. Eu espero, temo e rio. Sim, rio. O absurdo é muito grande e o riso é a última defesa do caído. “O Rei está nu”, gritamos. No fim do dia o Rei continua Rei, mas no momento daquele grito respiramos.

Eu vi as divinas mães, cheias de cor e ritmo, chorarem por seus lares. A destruição é causada pelos filhos do filho.  Aquele que também chora ao ver seu amor deturpado no ódio mais cego e irracional. É o sal das lágrimas que faz arder suas feridas. Ó pai, eles sabem o que fazem? É a pergunta que não sei responder.

São caídos. Seduzidos pelas palavras fáceis que crescem nos navio como mofo. A âncora impede o avanço, mas é tão tentador:  um ponto fixo na tempestade. O medo de cair no abismo no fim do mundo faz parecer gentil a lenta asfixia da razão.

Escritores do passado imaginaram futuros onde a informação estava oculta. Nosso problema não é a falta, mas o excesso. Um serpentário de Borges, com infinitas variações, infinitos venenos, onde qualquer um pode escolher o que escorre mais docemente por seus ouvidos, selando o caminho por onde passa.

Felipe Molina

Colagem artistica

Inércia

Quinta-feira, 20h30min. Ele chega em casa. Toma um banho rápido. Esquenta algo no micro-ondas e joga-se no sofá.

Liga a TV. Lentamente a frequência cardíaca cai. A atividade cerebral diminui . Deixa o prato na pia e vai dormir quando acaba a novela.

6h30min. Reúne as suas forças e levanta. Só falta um dia. Lava-se, veste-se, come e vai trabalhar.

Puxa alavancas. Olha para o relógio de hora em hora, e descobre que só se passaram cinco minutos. O chefe é um idiota. Os colegas são incompetentes. Sem ele a fábrica já teria fechado, mas o idiota do Ricardo que foi promovido. Toca o sinal. “Finalmente”.

20h30min. Ele chega em casa. Toma um banho rápido. Esquenta algo no micro-ondas e joga-se no sofá.

Liga a TV. Dá as boas-vindas ao costumeiro torpor. Ele nunca pode assistir a esse programa durante a semana. Já viu esse episódio? Não sabe dizer.

Sábado, 6h30min. Acorda. Volta a dormir.

15h. Dormiu demais. Seu corpo está dolorido. Aperta os olhos quando a luz bate em seu rosto.

Ouve o rádio enquanto come. Um acidente grave aconteceu na rodovia. FHC vai privatizar alguma empresa. Amanhã pode chover.

Liga a TV. Quatro adolescentes tentam conseguir pares para o grande baile. Um homem prende ladrões de gado. Faz um sanduíche para passar o tempo. Um homem aprende o verdadeiro significado do Natal. Dorme.

14h. Acorda, almoça e liga a TV. O mocinho salva o mundo. Quatro adolescentes tentam perder a virgindade. Um homem vinga o irmão.

Come alguma coisa enquanto um repórter come grilos. Um homem pinta retratos em unhas. Orangotangos são inteligentes. Dorme.

6h30min. Reúne as suas forças e levanta. Só faltam cinco dias. Lava-se, veste-se, come e vai trabalhar.

Felipe Molina

Colagem de Felipe Molina a partir de imagens sem direitos autorais